Esses dias encontrei na geladeira um tubo de fermento líquido vencido há 15 meses. Era um WLP400 (Belgian Wit) que veio no primeiro lote da White Labs importado oficialmente para o Brasil. Ja na época – em março de 2012 – o estado dessas leveduras não era bom e houve muitos relatos de problemas, mesmo com os produtos dentro da validade. Além desse WLP400, eu tinha comprado também um WLP002 e um WLP500 e, em ambos, o starter levou uma semana pra “arrancar” – o que não é esperado para uma levedura em condições de uso.

Em função disso, resolvi não usar o WLP400 naquele momento e ele acabou esquecido na geladeira por 1 ano e meio. Ao invés de simplesmente descartá-lo, resolvi tentar um procedimento de “ressuscitação”. Se é possível recuperar leveduras de garrafas meses após a data de fabricação, mesmo sendo a cerveja um meio hostil (ácido e alcoólico), é muito provável que um tubo de fermento líquido contenha células viáveis, mesmo depois de quase 2 anos.
Pensei num método bem simples:
- Remover todo o líquido do tubo (deixando só a lama do fundo);
- Completar o tubo com mosto;
- Esperar alguma coisa acontecer.
Esse procedimento é, a grosso modo, o mesmo que se usa para fazer um starter. No entanto, como o número de células viáveis é (supostamente) muito pequeno, são necessários alguns cuidados adicionais.
Quando fazemos um starter a partir de um tubo de fermento fresco, temos bilhões de células de levedura competindo pelo mosto, o que dificulta bastante a vida de qualquer criatura indesejada que queira se aventurar por ali. Por outro lado, quando lidamos com um número reduzido de células, qualquer contaminação pode ser fatal. Nesses casos, portanto, é prudente esterilizar tudo o que for possível (ao invés de apenas sanitizar) e tomar o máximo de cuidado nas transferências entre recipientes.
Quando lidamos com células debilitadas também é recomendável usar um mosto de densidade mais baixa do que os 1,040 que usamos convencionalmente nos starters. Nesse caso, usei mosto a 1,010 – preparado com DME e suplementado com nutriente Servomyces (20mg/l). Para esterilizar o mosto, usei uma panela de pressão, daquelas de fazer conserva, que trabalha à mesma pressão que uma autoclave (15PSI). O mosto preparado dessa forma e armazenado em tubos de ensaio ou vidros de conserva dura indefinidamente, portanto é uma boa ideia preparar uma quantidade extra para ter à disposição no futuro.
Como o tubo do WLP400 estava guardado na posição horizontal, antes de qualquer coisa, coloquei ele de pé e deixei alguns dias mais na geladeira para a lama ir para o fundo e facilitar a separação do líquido. Para minimizar os riscos de contaminação, deixei o tubo mergulhado numa solução de iodofor por cerca de 15min antes de abrí-lo para descartar o líquido. Aí foi só completar o tubo com o mosto estéril, dar uma boa agitada para aerar e esperar alguma coisa acontecer.



Depois de uma semana, foi possível observar os primeiros sinais de atividade. Eram pequenas bolhas que se formavam na superfície do líquido e que, depois, evoluiram para uma espuma rala. Nesse momento eu não tinha como identificar se a atividade era do WLP400 ou se poderia ter havido alguma contaminação. Mesmo assim, depois de uns 3 dias, parti para a próxima etapa de propagação, dessa vez com 150ml de mosto estéril (1,010) no agitador magnético.


Após 24h no agitador magnético, levantei a tampa para uma breve inspeção olfativa, que atestou que, muito provavelmente, era o WLP400 que estava crescendo naquele mosto. A última etapa de propagação foi o starter convencional, com 1,2 litro de mosto a 1,035 (apenas fervido), que a patroa usou para fazer uma Wit. Foi desse starter que eu roubei o WLP400 que garantiu um pouco de Saccharomyces no coquetel no microbiano da Lambic.
A Wit ficou perfeita, sem qualquer off-flavor de fermentação. Após 1 mês de fermentador e outro de garrafa, a cerveja estava surpreendentemente límpida (o que não é necessariamente uma virtude numa Wit, mas pode ser considerado um bom sinal, já que um dos indicadores de que a levedura está em mau estado é a perda da capacidade de floculação).
O prazo de validade de 6 meses da White Labs é baseado na promessa de que um único tubo é capaz de fermentar 19 litros de mosto de densidade moderada sem necessidade de starter e, portanto, é relativamente conservador. Se uma levedura que, mesmo dentro da validade, já dava sinais de não estar em boas condições pôde ser utilizada 21 meses após a data de fabricação, eu imagino quanto tempo duraria uma que não tivesse sido tão judiada (não quero entrar em detalhes, mas, apenas para dar uma ideia, o importador enviou esse tubo de fermento num envelope comum de correio, sem a costumeira caixa de isopor).
Além de “ressuscitar” fermento vencido, esse procedimento também pode ser usado para cultivar leveduras de garrafas – o que pode ser interessante, principalmente, para quem quiser se aventurar nas sour ales.